Pai, meu Rei!

Um dia disseste-me que a verdadeira herança que deixamos não é material. Nesse dia falava contigo sobre a minha noite mal dormida porque o teu neto, recém nascido, exercitava o poder dos seus pulmões para ser alimentado. A gargalhada que se seguiu, até hoje ecoa na minha memória. Logo em seguida disseste” fizeste o mesmo comigo e com a tua mãe”. 

Passados 10 anos desde da última vez que celebramos juntos o teu aniversário, tenho muito para te contar, mas por certo já sabes, de alguma forma sinto que tens acompanhado tudo. Para conseguir escrever como tu, praticava muito tempo refugiado no meu quarto, imerso na minha imaginação, na timidez, nos receios de um rapaz envergonhado e inseguro. A escrita faz parte da herança que deixaste e hoje que irias celebrar 80 anos de vida, celebro-te com palavras inspiradas por ti.  

Por certo viste os erros, a luta interior, as vezes que caí. Por certo viste o crescimento dos meus filhos, como a tua presença se mantém viva sempre que falo de ti. Viste os momentos em que senti ter falhado com homem e como Pai. Espero que tenhas visto o quanto ter mergulhado na dor, e nas minhas insuficiências, tornaram a caminhada nos últimos dez anos, mapa para os anos que se seguem. 

A realidade de não estares neste plano físico, impede-me de ligar para ti e soltarmos uma gargalhadas ao telefone. Impede os meus filhos de te abraçarem, e queria ouvi-los a chamarem-te, avô João. Mas esta realidade não me impede de sentir a tua presença e celebrar-te a cada dia.  Celebro-te a cada abraço que tenho a sorte de partilhar com os meus filhos.

Vivemos pelos que partiram, mesmo que o seu descanso não sossegue a nossa saudade. Irei celebrar-te até ao dia que os meus filhos, celebrem a minha memória também. Nesse momento uma vez mais, estará confirmada a tua frase” a verdadeira herança que deixamos não é material”. 

Queria dar-te mais um abraço, e sentir me teu filho mais uma vez meu Rei. Talvez um dia, até lá celebro-te todos os dias.20150211_105957  

PS- Mesmo com 80 anos vou continuar a chamar-te, Rapaz!

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